Crónica Anti-Claques de Rui Cartaxana

Um País do Caraças

1 - DO BLOQUEIO DA ACADEMIA A OUTROS ABUSOS, OU AS CLAQUES. Não se percebe, de facto, por que raio os clubes, por um lado, com os “grandes” à cabeça, se dispõem a aturar estes grupos organizados de matulões agressivos e quezilentos, que dão pelo nome de claques; nem, por outro, que as autoridades oficiais, desde a própria Polícia à tutela do futebol e ao Governo, se disponham a lidar com gente tão pouco recomendável e em situação legal pouco menos que duvidosa. Vamos por partes – e o Provedor responde aos leitores Francisco Andrade e Albano Costa, que o questionaram sobre o tema –, estes grupos são dominados por sujeitos adultos e de barba rija, que não fazem nada na vida e vivem da exploração da própria claque, a qual integra gente jovem e decente, que procura extravasar no espectáculo e nas paixões do futebol os excessos de vitalidade e energia de uma juventude a quem o País não dá, reconheçamos, grandes saídas. Essas claques vivem dos favores e benesses dos clubes, desde os bilhetes para os jogos a lugares em excursões e viagens com o clube, que os “outros” pagam e os chefes arrecadam. O que se passou há dias na Academia do Sporting, em Alcochete, foi uma vergonha. Uma vergonha que toda a gente tentou, de seguida, disfarçar. Primeiro chamaram a GNR e o Corpo de Intervenção da PSP, mas depois foi tudo numa boa, a versão mediática final foi quase uma civilizada reunião do Comité Nobel.

2 - A MAIORIA DESTES GRUPOS ESTÁ EM SITUAÇÃO ILEGAL. Para começar, diga-se que a maioria destes grupos está em situação ilegal, alguns eles em situação duplamente ilegal. Não estão registados nem como pessoas colectivas, nos respectivos serviços do Ministério da Justiça, nem, nos termos da Lei 16/2004, de 11 de Maio, no Conselho Nacional Contra a Violência no Desporto. E, sem este último registo, a lei proíbe aos clubes a prestação de quaisquer apoios ou benefícios a grupos organizados de adeptos. Mas as autoridades dialogam com eles, a Polícia faz-lhes escoltas, transportes e outros serviços, os clubes cedem-lhes instalações, bilhetes de borla para os jogos, lugares em excursões e “charters” ao estrangeiro. Como diz o meu vizinho do 2º direito, “somos um país do caraças”! Nos incidentes da Academia, em Alcochete, há um pormenor curioso. Das três claques do Sporting, houve uma, a Torcida Verde, que não participou na arruaça e que se demarcou dela. Até há dois meses atrás, era a única que estava legalizada.

3 - ELES ATÉ INTERFEREM NAS ELEIÇÕES. Contaram-me que em alguns círculos eleitorais, em particular no Porto, os esforçados dirigentes destes grupos ilegais se deram ao luxo de interferir na sagrada decisão da cidadania, que é votar. Não sei de outros casos concretos, mas assisti a um na TSF. Um tal Hélder, um dos líderes da claque dos Super Dragões (que se tornou “famoso” por ter ido a Londres para cuspir na cara de José Mourinho), disse àquele emissora, com o maior descoco deste mundo, que “aqui no Porto, quem vive na Ribeira tem de votar PSD para a Junta, que o meu pai é candidato do PSD, mas para a Câmara toda gente tem de votar PS”. E mais nada! O meu vizinho é que tem razão: “Isto é um país do caraças.”
Retirado do "Record" edição 10/10/2005

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